De Baixo Guandu para a Johns Hopkins: conheça Ethel Maciel, a pesquisadora capixaba que combate a Covid e a desinformação

Enfermeira, professora, doutora phD e uma das grandes vozes no estudo de doenças infecciosas e Saúde Pública do Brasil, a capixaba mostra que é possível quebrar o teto de vidro da ciência

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Experimente visitar o currículo lattes de Ethel Maciel. A barra de rolagem fica pequenina no visor do computador, tamanha é a extensão de atividades já feitas pela professora e pesquisadora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Uma das principais referências nos estudos de Saúde Coletiva e Epidemiologia do Brasil, Ethel está ativa e tem ganhado destaque no combate à pandemia de coronavírus em várias frentes: no estudo, na comunicação científica e na política.

No entanto, não basta saber que essa mulher chegou lá sem saber quem ela é e de onde veio. Quem é Ethel Maciel, afinal? “Alguém que, em diferentes lugares, em diferentes papéis, sempre lutou pela igualdade de direito das mulheres”, diz ela, em entrevista ao Cine Marias, sem titubear. Essa postura a acompanhou no universo da ciência e em todos os outros lugares da vida.

Quando criança, decidiu que queria ser professora, mas a ciência não foi a primeira escolha. Antes de se dedicar aos estudos científicos, Ethel ensinava, desde os 17 anos, pliéstendus e fondus às suas alunas de balé clássico. Era com o dinheiro das aulas de balé que se mantinha em Vitória, onde cursava Enfermagem na Ufes.

No meio da faculdade, conheceu uma professora que foi fundamental para que seguisse o caminho da pesquisa científica. Em uma área conhecida por nomes masculinos, foi uma mulher que chegou para mostrar-lhe o caminho das pedras.

Ela conta que quando se formou em Enfermagem, em 1993, não era tão comum a tradição na pesquisa. À época, fizeram uma entrevista e a perguntaram qual a carreira que ela gostaria de seguir. “Pesquisadora”, ela disse. “Pesquisadora? Mas como? ”, achavam estranho. “É, me vejo em laboratório, fazendo pesquisa…” E assim seguiu até hoje.

Pela conversa com Ethel, entende-se que a Universidade é sua vida e sua vida é a Universidade. Mas que fique claro – essas percepções não são inseridas num entendimento de uma relação exaustiva, mas sim, no entendimento de uma relação carregada de respeito e luta.

Capixaba natural de Baixo Guandu, no noroeste do Espírito Santo, também foi na Ufes em que teve a virada de chave no que queria dedicar a sua vida: conheceu a disciplina de Epidemiologia e, a partir daí, passou a estudar com afinco: por que essa doença se manifesta dessa forma? Por que apareceu? Por que atinge um grupo e outro não? São estudos nessa área que nos ajudam a entender eventos como a pandemia do novo Coronavírus.

Depois da formatura, não parou mais. A paixão e apreço pela ciência rendeu bons frutos: Ethel recebeu bolsa de estudos para estudar doenças infecciosas nos Estados Unidos, no Walter Reed Army Institute of Research. “Nunca fui rica e quem sabia inglês era rico. Gastei todo o meu dinheiro que ganhava das aulas de balé pagando aulas particulares de inglês”. Da língua, só conhecia o thank you.

Essa experiência marcou a professora. Nos Estados Unidos teve a oportunidade de vivenciar o primeiro protocolo de vacinas experimentais contra a HIV, por exemplo. A base que constitui os mais diversos protocolos clínicos, de como convocar voluntários, como realizar termos de consentimento, como enfim, gerir testes e protocolos clínicos, serviu para que Ethel voltasse ao Brasil e aplicasse esses ensinamentos no Centro de Pesquisa Clínica do Hospital Universitário Cassiano de Moraes (HUCAM), em que atuou como coordenadora de 1995 até 2008.

Após finalizar a pesquisa de Doutorado, conseguiu uma bolsa de estudos fornecida pelo governo americano para fazer o curso de pós-doutorado na Universidade Johns Hopkins, uma das mais prestigiadas referências nos estudos de Saúde Pública do mundo. Em um grupo de 12 brasileiros, foi estudar no Centro de Pesquisa em Tuberculose da Universidade.

No entanto, a chegada a esse sucesso, o lugar que chamam de , não é o mais importante. Para Ethel, não importa muito onde você chegou, mas de onde você saiu. “Muitas pessoas chegam na Hopkins, mas poucas vieram de Baixo Guandu”, diz, certa da sua convicção. No momento em que foi fazer o pós-doutorado, Ethel já era mãe de três filhos. O marido, médico, e o resto da família, seguraram as pontas enquanto a pesquisadora alçava seus voos.


Atuação Política

É importante deixar claro que a trajetória acadêmica da professora Ethel Maciel é longa e valiosa. Ela não parou no pós-doutorado na Hopkins – inclusive já tem planos para voltar para lá assim que for possível -, mas essa reportagem também quer mostrar as outras áreas de atuação da vida da pesquisadora.

De 2013 a 2020, Ethel ocupou o cargo de vice-reitora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), junto ao reitor Reinaldo Centoducatte. Em 2020, foi candidata à reitoria da Universidade. Favorita e eleita ao cargo pela comunidade acadêmica, não foi nomeada pelo presidente Jair Bolsonaro, que escolheu outro nome da lista tríplice da Universidade.

Ethel Maciel preterida
Professora Ethel Maciel foi preterida pelo presidente Jair Bolsonaro para assumir a reitoria da Ufes. Foto: Tati Hauer

Para Ethel, ações como essa são uma afronta à democracia. A atitude foi mais uma das intervenções que o Presidente da República passou a fazer nas Universidades Brasileiras.

Os reitores e reitoras eleitas de outras Universidades estão ativos com um processo no Supremo Tribunal Federal (STF) e espera-se que essas decisões sejam revertidas, bem como o entendimento da Lei seja modificado: o reitor ou reitora nomeado deve ser aquele escolhido pela comunidade universitária. “Além de ter sido extremamente desrespeitada no ponto de vista individual, do ponto de vista institucional, a ação do Presidente foi uma intervenção antidemocrática”.


Combate à Covid e à desinformação 

Com a chegada da pandemia de Covid-19, Ethel conta que precisou mudar totalmente a rotina. Trabalhando 12 horas por dia, o trabalho com a ciência, que costumava ser voltado para dentro da Universidade, passou a ser divulgado para a sociedade. Foi preciso, portanto, veicular a verdade dos fatos científicos, que se misturam em meio às notícias falsas de imunidade de rebanho e uso de medicamentos sem eficácia comprovada para o tratamento da Covid-19, como a cloroquina e a ivermectina.

Ethel vacinada
Vacinada com a 1ª dose contra a Covid-19, Ethel manda o recado: Ciência, Vacina e SUS.
Foto: Pâmela Vieira

A necessidade de combater a constante onda de desinformações também foi impulsionada pelo episódio de dezembro de 2020, em que a pesquisadora, atuante como consultora para o Ministério da Saúde, teve o seu nome elencado entre os elaboradores do Plano Nacional de Vacinação, sem que ela tivesse acesso ao documento. Nas redes sociais, junto a outros pesquisadores, disse que jamais tinha vivido uma situação como essa em todos os anos de pesquisa. 

Como comunicadora, Ethel passou a figurar em grandes veículos de comunicação apontando a importância da vacinação e os desdobramentos de gestão sanitária. “A população precisa entender porque a ciência é importante e porque precisamos segui-la. Fora dos parâmetros e critérios científicos, nos resta a insegurança”, destaca.

O trabalho enquanto comunicadora veio do que propõe o cargo de servidora pública que ocupa. “Já recebo o meu salário da sociedade. Isso que faço é uma forma de devolver esse trabalho, falando com pessoas que estão em qualquer lugar, por meio da rádio, TV e redes sociais. Assim, cumpro o meu papel enquanto pesquisadora”.

Ainda ousamos perguntar: é possível tirar algo de positivo da pandemia? A importância de uma ciência traduzida em uma linguagem que a população compreenda, é, certamente um dos grandes trunfos para combater qualquer indício de desinformação. No entanto, para Ethel, a pandemia também serviu para escancarar a falta de coletividade das sociedades.

“Pessoas comprando vacinas, festas clandestinas acontecendo e profissionais da saúde triplicando a jornada para cuidar dos pacientes. O que aprendemos como ser humano?”, questiona.


Temos mulheres cientistas sim, senhora!

Difícil é encontrar alguma mulher que trabalhe na ciência sem ter passado por alguma situação machista. “Seu marido deixa você viajar para congressos? ”, “Lugar de mulher não é no laboratório”, “Será que você dá conta mesmo? ”, são algumas das micro violências diárias que as mulheres ainda estão suscetíveis a ouvir, em uma área em que, sabidamente, prevalece o alto grau de instrução.

A própria não nomeação pelo presidente da República de Ethel para a reitoria da Ufes foi um preconceito de gênero – não somente por isso, mas também pela nomeação carregar o viés ideológico da pesquisadora, que se declara abertamente como uma mulher feminista atuante na Academia. “Mesmo assim, eu sou muito privilegiada. Enfrentei menos que minhas colegas negras, por exemplo. Mesmo entre nós, as situações não são iguais”, alerta.

Mulheres na ciencia
Para as mulheres, o desafio é quebrar o “teto de vidro” da ciência. Foto: Freepik

Para Ethel, as mulheres precisam saber que é possível sim, reverter a situação da falta de equidade de gênero na ciência. Para isso, o primeiro passo a ser tomado é lutar pelo reestabelecimento da democracia nas Universidades. “É possível mostrar que, mesmo vivendo em um estado extremamente patriarcal e com um alto índice de feminicídio, não podemos ser impedidas de estar onde merecemos”, diz, com certeza.

Não basta também ficar confortável no lugar em que alcançou. É preciso lutar para que outras tenham as mesmas condições de estudos e existências, com menos percalços que as gerações anteriores. A ciência é tida como uma área que tem um “teto de vidro”, em que impede a progressão das mulheres – entre uma mulher e um homem com a mesma capacidade, o gênero ainda é um critério de escolha. “Nossa largada é diferente e, juntas, precisamos diminuir essas desigualdades lá no início, na educação básica, para mudar as regras do jogo”, finaliza a pesquisadora.

Foto de destaque: Tati Hauer

Este conteúdo foi produzido em parceria com o Centro Universitário Faesa, com a supervisão da professora do curso de Jornalismo Emília Manente. 

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